Em setembro de 2017, Jamie Dimon, CEO da JPMorgan Chase, disse que o bitcoin era "pior do que a mania das tulipas [primeira bolha especulativa do mundo, que aconteceu na Holanda]" e ameaçou demitir qualquer funcionário que tivesse comprado a moeda por ser "burro".
Assim como na piada, pode-se confundir iceberg com Rosenberg, a gente sabe que a visão do mundo não varia muito quando falamos de JPMorga, Goldman Sachs... Sem grande risco de errar, podemos apostar que a opinião de Lloyd Blankfein, CEO da Goldman Sachs, é, no mínimo, bem próxima da opinião de Dimon.
Outra aposta vencedora é a de que eles não estão falando a verdade. Toda a verdade, pelo menos.
No caso em pauta, meros quatro meses depois, Dimon afirmou que estava arrependido da declaração, embora reiterasse que continua desinteressado pelo assunto. Difícil de engolir, considerando que a principal explicação dele é que vai esperar para ver como os governos vão regular as criptomoedas. Porque é muito, mais muito improvável mesmo que os governos lancem alguma regulação sobre moedas, ou criptomoedas, sem estarem acordados com os grandes bancos.
Bem, o fato é que a Circle, uma startup de pagamento da Goldman Sachs, anunciou na terça, 15/5/2018, que está lançando uma nova criptomoeda chamada Circle USD Coin. Trata-se basicamente uma versão digital do dólar que você poderá adquirir, oferecendo em dinheiro “real”.
Anote a data acima. Mais do que uma criptomoeda, talvez tenhamos assistido a um sinal do final de uma era que nem bem começou direito. Porque se trata de uma heresia – e das grandes. Explico. É a primeira moeda criptografada lançada por uma grande instituição financeira e isso contraria o próprio credo fundamental das moedas baseadas em blockchain, que são descentralizadas e distribuídas.
A Goldman Sachs e a Circle esperam trazer estabilidade ao mercado de criptomoedas, que caiu e se recuperou um número excessivo de vezes apenas este ano. A Circle não quer que sua moeda esteja sujeita à instabilidade e à inflação inerentes a outras moedas criptografadas não regulamentadas, de modo que ela amarrará o valor de sua moeda ao dólar norte-americano, o que praticamente vai contra todo o ponto das criptomoedas, que foram originalmente projetadas para apresentar um mercado financeiro transparente, livre de regulação do governo federal e a influência dos grandes bancos. E embora pareça cada vez mais provável que a regulamentação e a influência corporativa terão um papel maior no espaço, alguns, incluindo o investidor do Vale do Silício, Sam Altman, ainda acreditam firmemente que qualquer criptomoeda com base em dólar deve permanecer sob controle distribuído.
Enquanto outras criptomoedas podem ser mineradas quando usuários emprestam uma parte do poder de processamento de seu computador para ajudar a manter o registro atualizado de todas as transações, parece que a única maneira de adquirir novas moedas baseadas em dólar – que operarão na plataforma Ethereum no futuro previsível – é comprá-las. Portanto, seu equipamento extensivo não ajudará você a obter mais moedas em dólars. Parece que você terá que comprá-lo. Com dólares.
Já que você precisa dar à Circle, digamos, 10 dólares toda vez que quiser 10 de suas moedas, parece que a moeda servirá mais como um paypal de código aberto, onde você pode pagar por coisas com criptomoeda digital em vez de usar um cartão de débito ou crédito convencional.
Dados os investimentos recentes da Goldman Sachs no reino da criptografia e o anúncio de que a empresa negociaria Bitcoin para os investidores, faz sentido que a gigante financeira esteja tentando controlar o mercado da melhor forma possível. Mas, por enquanto, a Circle não parece ter nenhum propósito prático além de introduzir uma criptomoeda estável e talvez acessível.
Veremos, como dizia o cego.