Eu estive onde a web nasceu (Arquivo pessoal)
Se você está aqui no Steemit, obviamente está usando a internet. Arrisco-me a dizer que hoje já é bem difícil imaginar um mundo sem web. Concorda comigo?
Em plena era digital — e aqui no Steemit em particular — experimentamos um momento “René Descartes 2.0” onde, em vez de “cogito, ergo sum”¹ , impera a máxima
“Blogo, logo existo”.
Mas você sabe onde, como, e por qual razão nasceu a web?
Na foto² lá de cima, feita em setembro de 2010, estou bem na porta da salinha onde nasceu a web. Eu estava no CERN – Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear em Genebra, na Suíça, participando da Escola de Física do CERN. É no CERN, um dos mais importantes centros de pesquisa do planeta, que fica o LHC – Large Hadron Collider, o maior acelerador/colisor de partículas já feito pelo homem e onde foi detectado o Bóson de Higgs que rendeu Nobel de Física 2013 para o escocês Peter Higgs e o belga François Englert.
Pode parecer estranho, talvez improvável, mas a web nasceu num ambiente de pesquisas em Física Partículas e de Altas Energias!
Ficou curioso? Conto, a seguir, detalhes desta incrível história que mudou de forma drástica o nosso mundo e está provocando a Revolução da Informação, evento em escala mundial de extremo impacto na sociedade que imagino só possa ser comparado ao impacto também contundente provocado pela Revolução Industrial.
Tim Berners-Lee e sua incrível ideia
Tim Berners-Lee, o pai da web, em 1994 Fonte da imagem
Idealizada em 1989 pelo físico britânico Tim Berners-Lee, a WWW, W3 ou World Wide Web nasceu para ser um sistema global de informação em rede para que físicos espalhados por todo o mundo compartilhassem informações em tempo real, criando uma imensa teia de colaboração científica internacional³.
Em 1993 o sistema já era totalmente funcional e foi oficialmente doado para o mundo. Veja abaixo as cópias das duas páginas do documento que oficializa a web como um sistema royalty-free.
Documento oficial do CERN doando a web pra humanidade Fonte da imagem
NeXT, o primeiro servidor web
O primeiro servidor web da história foi o NeXT da NeXT Computer fundada em 1985 por Stevie Jobs que havia deixado a Apple. Em 1996 a Apple comprou a NeXT Inc. Company que tinha desenvolvido um sistema operacional próprio, o NeXT Step, base do atual Mac OS X. E Jobs retornou para a Apple como CEO. E o resto desta outra história todo mundo conhece.
NeXT, o primeiro servidor web Fonte da imagem
Na CPU do NeXT servidor no CERN (imagem acima) havia um recado importante escrito a mão e em vermelho: “Esta máquina é um servidor. Não desligue”. Já imaginou desligar toda a web por um único e simples interruptor? Naquele momento isso era possível.
O nome NeXT da empresa de Steve Jobs já apontava para um futuro “próximo” incrível. Você, que comigo e outros bilhões de seres humanos vive tal momento, há de concordar que experimentamos um período bastante peculiar na história da humanidade!
A web, hoje, é multimídia, banda larga, rodando em telas full HD. E está presente até mesmo em dispositivos móveis. Mas como será que ela era em sua primeira versão? Na foto de Bernes-Lee acima, de 1994, já vemos uma tela colorida. A web, em 1994, já estava um pouco mais avançada. Na época da sua criação, no entanto, os monitores eram do tipo CRT – Cathodic Ray Tube, os tubos de raios catódicos que aceleravam elétrons que, ao se chocarem com a camada de fósforo da tela, emitiam uma luz verde fluorescente bem característica. Nunca viu uma geringonça dessas funcionando? Ficou curioso para saber como era? Clique aqui para abrir um simulador do Line-mode Browser, o primeiro navegador da internet e como ele exibia a home do servidor num monitor monocromático CRT dos anos 80 do século passado.
Pra refletir
Usamos o protocolo WWW sem o custo dos royalties graças ao CERN Fonte da imagem
Já imaginou se a Web tivesse sido criada pela Microsoft, pela Apple, ou qualquer outra empresa focada em lucros? A cada vez que nos conectássemos à internet, teríamos que pagar direitos de uso para o dono da patente do protocolo WWW!
Graças ao CERN, temos uma rede mundial que nos conecta. E quando a acessamos, usando um computador ou um dispositivo móvel, pagamos para um provedor apenas o custo do acesso, ou seja, o uso da infraestrutura de comunicação. O protocolo WWW é royalty-free.
O serviço, em particular aqui no Brasil, já é bem caro! Seria ainda mais caro e talvez financeiramente inviável para um usuário doméstico se tivéssemos que pagar royalties ao inventor do protocolo.
Arrisco-me a dizer que, com essa diferença de custos, talvez a internet tivesse tomado outro rumo e não fosse tão popular entre pessoas físicas. Talvez nunca tivéssemos blogs pessoais, tampouco estaríamos experimentando a explosão das redes sociais. E, dentro do mesmo raciocínio, pode apagar a inapagável blockchain da nossa história também!
Será que há exemplo mais contundente do que este de que a ciência, direta ou indiretamente, tem a incrível capacidade de mudar radicalmente o mundo? A história da humanidade pode (e deve) ser dividida, sem medo, em a.W3 e d.W3 (antes e depois da W3). Concorda?
Custo ou investimento?
Ciência, além de conhecimento, gera tecnologia. E tecnologia gera dinheiro. Fonte da imagem
Quem gosta de Ciência e conhece bem o CERN e a sua importância no cenário da Física de Partículas e Altas Energias não precisa de nenhuma justificava para os enormes investimentos que lá já foram feitos. O CERN tem uma história de décadas de um sucesso atrás do outro. Por meio do gigante CERN adquirimos uma enorme quantidade de conhecimento científico original e, de “brinde”, muita tecnologia nas áreas da eletrônica, da computação, dos eletroímãs supercondutores e, obviamente, dos aceleradores de partículas. Praticamente tudo o que nasceu para servir à pesquisa de ponta e muito específica tem hoje aplicações amplas em diversas outras áreas.
Em Medicina, só para citar um exemplo importante e diretamente ligado às nossas vidas, muitos equipamentos utilizados em diagnósticos por imagem fazem uso de tecnologia desenvolvida para os aceleradores de partículas e em especial para o LHC. Estes exames por imagem revolucionaram a forma como os médicos podem antecipar tratamentos a ponto de conseguir resultados mais eficazes, o que tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas.
Por isso digo sem medo algum de errar que, ainda que o CERN fosse um fracasso em pesquisas, a invenção da web por si só já justificaria todo o dinheiro que lá foi e continua sendo investido. É a ciência da melhor qualidade fazendo história!
Abraço do prof. Dulcidio. E Física & História na veia!
Este texto faz parte da primeira edição do #FazendoHistoria, projeto colaborativo do @leodelara que nasceu para agitar a comunidade #pt do Steemit. Que assim seja!
Referências:
[1] The birth of web: https://home.cern/topics/birth-web
[2] The document that officially put the World Wide Web into the public domain on 30 April 1993. : https://cds.cern.ch/record/1164399
[3] Nobel Prize 2013: https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/2013/
NOTAS
¹ “Cogito, ergo sum”, do latim, frase de autoria de René Descartes , quer dizer “penso, logo existo”, ou como querem alguns teóricos mais rigorosos, “penso, logo sou”.
² Na foto estou com cara de cansado. E não é para menos! Eu havia feito um voo noturno na madrugada de um sábado com duração 12 h de São Paulo para Frankfurt. Em seguida, depois de passar pela imigração na Alemanha e entrar oficialmente na Europa, outro voo Frankfurt-Genebra. Cheguei no hotel em Saint-Genis-Pouilly, um vilarejo no Sul da França, a 3 km do CERN, de ônibus, bem no final da tarde de sábado. E o curso no CERN começou logo no domingo de manhã quando, passando diante da sala de Tim Berners-Lee, não resisti e parei para tirar a foto, ainda confuso pelo jet lag e destruído pela longa viagem. Se quiser saber mais detalhes sobre a inesquecível experiência de ter feito um curso de capacitação no CERN, neste post, onde me apresento (#introducemyself), falo desta inesquecível experiência.
³ Na época, o principal acelerador do CERN era o LEP - Large Electron-Positron Collider, precursor do LHC - Large Hadron Collider. O LHC reaproveitou o túnel circular subterrâneo de aproximadamente 27 km de circunferência e 100 m de profundidade feito para abrigar o LEP.