Opinião de Ana Fernandes, Licenciada em Serviço Social em 2003 pelo Instituto Superior de Serviço Social do Porto;
Um Técnico de Serviço Social que trabalhe num Lar de Infância e Juventude (LIJ) tem de estar preparado para, juntamente com a sua equipa multidisciplinar, realizar projetos de vida que permitam a saída das crianças e jovens da instituição de forma segura.
O projeto de vida de autonomia é delineado quando a maturidade dos jovens permite perspetivar uma vida independente e o regresso à família não é possível. Muitas vezes estes jovens estiveram muito tempo em acolhimento institucional ou já foram institucionalizados na adolescência e não existem outros familiares que os possam acolher. A partir do momento em que é definido com o jovem que o seu projeto de vida passará pela autonomia de vida, é função do Técnico de Serviço Social e da equipa Técnica do LIJ prepará-lo para ser autónomo nas variadas tarefas do dia a dia e da vida doméstica, tais como: fazer compras e cumprir um orçamento; cozinhar; cuidar da casa e todas as tarefas inerentes; gestão do orçamento; conhecer e usar os serviços públicos; procura de um trabalho em part-time e tantas outras tarefas associadas a uma vida independente. Apesar de, aparentemente, serem tarefas que qualquer jovem está familiarizado, muitas vezes é neste momento que têm o primeiro contacto com uma lista de compras e a verba necessária para uma despesa mensal, pois enquanto estão na instituição essas tarefas não são da sua responsabilidade, assim como cozinhar ou tratar das roupas, o que muitas vezes farão pela primeira vez. O Assistente Social estará presente nestes momentos e gradualmente irá preparar o jovem para viver autonomamente, apoiando esta transição, estando ao seu lado e fazendo com ele, apaziguando os medos e ansiedades, naturais de um futuro completamente diferente do conhecido até aí. Quanto mais próximo está o momento de transição para uma vida adulta independente, mais o estado de espírito do jovem se vai alterando, oscilando entre altos e baixos. Passará por momentos de grande entusiasmo e esperança no futuro, por momentos de medo do desconhecido, por receio de abandonar o “lar”, que durante tanto tempo foi a sua casa e até por momentos de resistência ao projeto de vida. Estes momentos serão vividos de forma cíclica até tomar consciência que esse passo é inevitável e poderá sempre contar com a “família institucional” que o viu crescer. Tendo em conta a maturidade do jovem, o projeto de vida de autonomia terá que ser concretizado antes de ter completado 21 anos, pois, legalmente, nesta altura a medida de acolhimento cessa definitivamente. A partir dos 18 anos, o jovem pode permanecer na instituição desde que o proponha ao Tribunal de Família e Menores e será a partir desta altura que se começa a concretizar, de forma prática e efetiva o plano de intervenção que culminará com a saída do jovem para viver autonomamente. É possível propor e concretizar o projeto de vida de autonomia antes dos 18 anos, mas na minha perspetiva só se realmente se verificar um grau de maturidade compatível com essa responsabilidade. A concretização deste projeto de vida acarreta muita responsabilidade por parte da equipa técnica do LIJ, nomeadamente do Assistente Social e do Gestor do Processo, que poderá ser a mesma pessoa ou não. A partir deste momento, é da responsabilidade da instituição fazer a gestão de todas as diligências para a concretização do projeto de vida, cabendo à Segurança Social a atribuição da verba financeira mensal, num limite máximo de 419,22 euros, sendo o valor ajustado conforme a situação em causa. A primeira dificuldade é encontrar uma habitação com condições de habitabilidade e uma renda mensal compatível com o orçamento disponível. Outro constrangimento é o facto de ser praticamente impossível alugar uma casa sem recibos de rendimentos ou fiador. Este primeiro passo, e o mais importante, só será possível se existir boa vontade e solidariedade por parte dos proprietários ou uma relação de parceria e apoio social. A concretização do projeto de vida de duas jovens acolhidas na instituição só foi conseguido com o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Gaia, que permitiu o aluguer de um apartamento com uma renda mensal compatível com o orçamento das jovens, sem exigência de qualquer comprovativo oficial, pois a Segurança Social não se compromete a pagar a renda, já que existe o risco dos jovens não cumprirem as suas obrigações ou deixarem de ter a medida de autonomia de vida. Ultrapassado este patamar segue-se uma batalha para conseguir todos os bens necessários para “rechear” a casa. Apesar da Segurança Social prestar um apoio pecuniário inicial para alguns eletrodomésticos essenciais, o valor atribuído é claramente inferior ao necessário para viverem com conforto. Cabe ao Assistente Social e equipa Técnica do LIJ procurar todos os recursos junto da comunidade, amigos, instituições, para permitir aos jovens iniciar uma vida com todos os utensílios, mobiliário e bens de primeira necessidade. O Assistente Social assume a tarefa de fazer o “enchoval”, desde o mobiliário aos talheres, aos panos de cozinha ou decoração, acompanhando os jovens a criar a sua primeira casa, o primeiro espaço seu, pois até aqui tudo era de todos. Este processo é verdadeiramente gratificante, ver desenvolver o gosto pessoal de cada um espelhado em pequenas coisas, o apreço pelo seu espaço e o início de uma nova vida. Este processo decorrerá num ou dois meses, de acordo com as possibilidades e recursos que vamos conseguindo e tendo em conta o tempo de adaptação do jovem. Paralelamente, acompanhamo-lo aos serviços públicos para realizar os vários contratos: renda; água; luz; etc. Aqui começam a ver o sentido de responsabilidade a crescer. Cada vez que assinam um documento, sente-se a ansiedade mas é mais uma batalha que alcançam e sentem-se felizes com isso, embora com medo de falhar. É muito importante sentirem-se apoiados neste momento e ter sempre um Técnico de confiança, para discutirem e validarem as suas decisões. Chegado o momento da transição, chega também o momento mais difícil para ambas as partes. Não queremos “empurrar” o jovem para a sua nova casa, mas também não podemos protelar essa decisão inevitável. Tal como o jovem, também o Técnico tem tendência para ficar ansioso, mas não o pode demonstrar e deve organizar a saída do jovem juntamente com todos os elementos do LIJ, com uma festa de despedida com participação de todos, crianças e funcionários. Durante este processo é essencial, no meu ponto de vista, que o jovem tome consciência que o Lar estará sempre aberto para o receber. De resto, a própria Direção da Instituição faz questão de assegurar que “aquela seria sempre a sua casa, sempre que o quisesse e assim como os filhos que saem de casa dos pais os visitam sempre que têm saudades, também estes jovens o poderiam e deveriam fazer”. Posteriormente ocorre um novo desafio que condiciona a autonomia destes jovens e levanta-se uma nova questão: e quando completarem 21 anos, que apoios terão? Esta questão é de difícil resposta e necessitaria de outra reflexão, pois completados os 21 anos o único apoio económico que poderão requerer é a prestação do Rendimento Social de Inserção, claramente insuficientes face às despesas. Não poderemos esquecer que muitas vezes ainda estão a completar a sua formação escolar ou profissional e não têm outros recursos.